23 de Abril a 14 de Maio de 2021
Vista da Exposição. Fotografia: Susana Rocha
EXPOSIÇÃO COLECTIVA:
Catarina Silva, Constança Arouca. Francisca Carvalho, Hugo Bernardo, Nuno Henrique, Pedro Calhau e Roger Paulino
TEXTO:
Carolina Quintela
Les Amis du Cadavre exquis reúne um conjunto, bastante diverso e multidisciplinar, de sete artistas plásticos que apresentam trabalho inédito entre desenho, pintura, escultura e instalação. Assenta igualmente na longa amizade que os une e, também indissociável do contexto atual, podemos dizer tratar-se de uma exposição celebrativa, pensada e preparada à distância.
A arte, como força anímica primordial é o motivo convergente e unificador destes artistas que se juntam na sua abrangência procurando, sob o mesmo mote, novos significados através do cruzamento das suas práticas artísticas e processos específicos individuais possibilitando-se, deste modo, um diálogo sobre discursos ativados por afinidades e partilha do mesmo lugar, de um desejo extensivo para a criação do espaço comum e, acima de tudo, da dinâmica coletiva sobre os diversos desafios da contemporaneidade.
Tendo ficado conhecido em Portugal como Cadáver Esquisito, o jogo coletivo surrealista inventado por volta de 1925, em França, Les Amis du Cadavre exquis, dá nome à exposição. Caracterizava-se por ser um dispositivo para a produção de desenhos automáticos e linguagens discrepantes, no entanto completivas, assim como discursos literários convencionais que eram subvertidos relevando, por consequência, um humor muito particular.
Partindo deste pressuposto, esta exposição, tem ancorada uma relação conceptual proporcionada pela apresentação do conjunto das obras sem ligação óbvia ou aparente, entre elas. Este encontro feliz e a composição simbólica sugerida pelo título, reafirma o processo acumulativo e gerador, assim como a dimensão poética do inesperado e do desconhecido. Enquanto reunião de sinais metafóricos, as obras surgem de forma inusitada assim como afetiva e complementar. A expressão individual concilia-se com a expressão coletiva num eco comum e que podemos ver presente nos objetos escultóricos em vidro posteriormente pintados do artista Hugo Bernardo, que funcionam como meta- reflexos, resultantes de aprofundados estudos sobre distorções anamórficas, aqui sob forma de cabeças flutuantes, e que nos transportam e relembram da complexidade e mutabilidade imagética no cruzamento temporal de signos arqueológicos primitivos; a artista Catarina Silva apropria-se da linguagem binária, que inscreve num tecido cru e, que de forma encriptada e subtil, cria mensagens sobre este objeto adivinhatório e invocatório, explicitando as potencialidades das crenças sobre o acaso e a sorte. Partindo de um desenho
preparatório que transita de uma exposição anterior, surge a fotogravura de Constança Arouca que, gravada e impressa sob um procedimento próximo da monotipia, se expande na continuidade do trabalho que tem vindo a desenvolver. Como forma de resistência à distância imposta nestes tempos conturbados atuais, a artista dá-nos a chance de saber o que tem feito num exercício de partilha entre amigos. As cartografias imaginárias, geografia e infografia de Pedro Calhau a par da palavra, referente ao texto Acerca das fontes de conhecimento e ignorância (1960) de Karl Pooper que cita, situa-nos no ilusório surpreendente e no movimento espontâneo em que o valor das fronteiras, dos seus “desenhos/mapa” parece dissipa-se, comportar e confluir. Francisca Carvalho pinta, através de pigmentos vegetais e minerais sobre tecido natural, o gesto orgânico e o artista Roger Paulino, convoca também o gesto através da ação do público, que convida a participar, fazendo do seu desenho um desenho performativo e de todos, respondendo a uma pergunta que coloca: “Como fazer um desenho sem estar presente?”. Nuno Henrique ressalva o valor do misticismo e da iconografia através de objetos de pequena escala, em papel, construídos em absoluto rigor por estereotomia.
Aqui e idealmente tudo é passível de transformação, tudo pode ocupar novos lugares e significados, a troca permanente é o mais importante, e este momento expositivo pode e deve levar-nos igualmente a questionar sobre quais os pensamentos e ações que levam à criação do nosso próprio fundamento. A arte tem esse papel essencial e uma exposição, temporária e irrepetível, é feita da generosidade e da disponibilidade para ligações, para a partilha e deve ter como intenção ser espaço ativador de movimentos transformadores.
Através da experiência estética, do encontro com as obras de arte, cada um constrói-se, artista e observador. Definimo-nos através dos objetos e a riqueza do ser individual na qual se define a sua singularidade, requer a sua recriação através das possíveis ligações artísticas, às quais tem acesso, na relação com o mundo.
Explorando uma ampla multiplicidade de linguagens e sensibilidades plásticas, Les Amis du Cadavre exquis, procura apresentar novos trajetos e experiências presentes na força dos contrastes que os define e potencia; são eles a dimensão temporal, o imaginário, o gesto e o misticismo, alguns dos assuntos que acompanham o percurso expositivo. Talvez seja importante olhar para a arte
assim, a pairar em momentos irrepetíveis num imenso movimento circular em que os objetos artísticos são a frincha, a chave e o detalhe que nos reafirma que há sempre mais depois do fim.
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