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Exposição | THE ELEPHANT GOT IN THE ROOM AND NEVER LEFT

25 de Junho a 13 de Julho de 2021

Vista da Exposição. Fotografia: Bruno Lopes



EXPOSIÇÃO INDIVIDUAL:

Francisco Trêpa


TEXTO:

Beatriz Coelho



O cheiro é forte, o ruído é alto. Andamos entre pernas de elefantes, ninguém as vê.


A prática artística de Francisco Trêpa traduz-se numa abordagem transdisciplinar que tenta materializar as articulações, frequentemente complexas, entre o animal humano e o animal não-humano, atravessando realidades de conquista, enclausuramento, especismo e exibicionismo.


Nesta exposição, apresenta uma instalação que emprega elementos significantes de uma prática de exploração animal que remete para o Zoo de Lisboa: um espetáculo que foi, durante as décadas de 1980 e 1990, uma forte atração de obrigatória paragem para crianças e adultos, tendo-se tornado, desde então, uma memória coletiva de quem por lá passou. O espetáculo consistia numa troca caracterizada por uma espécie de tríade comercial: o visitante atirava uma moeda para o fosso da jaula, o elefante recebia um amendoim e, na sequência, tocava um sino (A coin, for a peanut, for a ringing bell: a coin, for a peanut, for a ringing bell). Este é, talvez, o mote principal para as obras que aqui se apresentam, resultando (estas) em materializações que, não só refletem um problema concreto de exploração animal, sempre dissimulado, como ainda têm a capacidade e abertura de apontar o espectador para questionamentos das mais diversas ordens.


A ironia resultante de uma subversão é constante nestas peças. A escultura The only way is through, feita com 1700 amendoins de parafina reproduzidos individualmente, lembra a estrutura das cortinas comummente colocadas em portas e passagens na tentativa de bloquear a entrada de insetos voadores. Construída através de uma lógica de armadilha: pela função de isco atribuída aos amendoins, pelo material que simula cera de abelha (parafina) e pela desproporção existente entre a altura da cortina e respetiva largura, a passagem que aqui vemos revela-se paradoxal, sendo, simultaneamente, atrativa e impossível.


Este jogo disfuncional e repetitivo, que tenta alterar e subjugar a naturalidade de uma espécie à imagem de outra (estreitando-a, por exemplo), é também evidenciado pela dimensão das peças que sugerem a forma de uma tromba de elefante, reduzidas à escala humana a partir de uma máscara de fantasia. Sob diferentes configurações e convocando-nos para tópicos distintos, todas apresentam um denominador comum: a porcelana. Pensando nas possibilidades discursivas da porcelana enquanto material – branco e irreversível – e nas referências a especismo nesta exposição, existe, aqui, um ponto de tangência indissociável: o de um sistema “fino”, antiquado, hierárquico e discriminatório. Mais: o de um sistema que, por vezes, nos deixa escapar a fragilidade e o vazio oco do seu interior. É o caso de Re-reunion, um ajuntamento intencionalmente circular que nos pode apontar para um diálogo íntimo sobre as reuniões do luto dos elefantes.


Uma antiga parábola proveniente de um texto budista, conta-nos a história de um grupo de pessoas que, não sabendo que de um elefante se trata, o tentam apreender e conceituar através do toque, com os olhos vendados. Cada pessoa sente uma parte diferente do corpo do elefante, levando-a a descrevê-lo com base numa experiência limitada e parcial, resultando em opiniões distintas entre cada uma. Em algumas versões, as pessoas começam a suspeitar umas das outras e acabam por entrar em conflito. Direta à moral da história, esta é a de que temos a tendência para reivindicar a verdade absoluta apenas com base numa parte de um todo, num ponto de vista, ignorando as experiências de outras pessoas e não fazendo um esforço pela compreensão partilhada da totalidade do que é posto em causa. É difícil não pensar nesta história ao experienciar Elephant in between, duas peças que fixam os limites do comprimento médio de um elefante na parede, insistindo para a sua presença no espaço, como dois fragmentos que nos instigam a preencher o espaço in between, a completar um espaço que parece ausente, na tentativa de uma apreensão total da sua dimensão.


São integradas ações do espetáculo inicialmente referido (entretanto abolido, segundo novas políticas europeias que obrigavam a mostrar ao público uma “maior naturalidade dos animais neste contexto”) num ecrã de um outro espetáculo tão disseminado e atualmente recorrente pelo mundo, o dos animais marinhos. O vídeo Apnea parece apontar-nos para uma situação igualmente obsoleta num contexto de práticas atuais de Zoos, refletindo assim o absurdo desta normalização.


Restar-me-á referir o seguinte: existe uma permanente dimensão de teatralidade no Zoo que é também percetível nesta exposição, através de associações mais diretas, como em Apneia, ou de associações mais subtis, como a da instalação The only way is through à própria cortina de teatro (enquanto elemento separador de ator e espectador, de palco e plateia). Neste sentido, talvez seja importante mencionar o conceito de teatro aplicado ao Zoo, de John Berger (1926-2017), que implica pensar e definir, numa lógica intercambiável, um palco, uma plateia, os atores e os espectadores deste contexto. Ora, sabemos que os animais olham, com frequência, os visitantes. Percebemos, também, que o papel dos visitantes pode ser comparado ao de uma atuação pela sua previsibilidade: deambular e observar os animais. Se assim for, coloca-se então a questão: quem é que observa? (Who’s Watching?) E quem é observado? Acedendo para lá das aparências e tentando apreender todo o “elefante”, quem são, afinal, os atores e os espectadores deste estranho espetáculo?




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